Setor artístico bauruense cobra valorização da cultura local em audiência pública

- Carolina Vieira

Preocupações com o financiamento do Carnaval 2025 e demanda para o Conselho Municipal virar deliberativo também foram levantadas no debate de iniciativa da vereadora Estela Almagro (PT)


Na manhã da sexta-feira (24/01), a Câmara Municipal de Bauru sediou uma audiência pública que tratou variados pontos relacionados à cultura municipal, como financiamento e valorização da cultura local, disparidade entre as verbas destinadas aos artistas bauruenses e os grandes shows, realização e falta de orçamento para o Carnaval 2025, importância do controle social para instituir políticas culturais, entre outros.

Foram convocados para o evento, mas não compareceram, o Secretário Municipal de Cultura, Paulo Eduardo Campos, e o Secretário Municipal de Finanças e Economia, Everton Demarchi.

Com as ausências, a vereadora Estela Almagro (PT), que teve a iniciativa da audiência, começou os trabalhos tecendo críticas à postura do Poder Executivo em não atender às convocações do Poder Legislativo durante o recesso parlamentar, período em que as Comissões Permanentes ainda não estão constituídas. Repetindo a desaprovação feita em audiência na última terça-feira (21/01), a vereadora chegou a afirmar que irá judicializar a questão. “O governo começou mal, desrespeitando a Lei Orgânica, a Câmara e a população”, disse.

Quem esteve presente, por sua vez, foram diversos representantes do setor artístico da cidade, como o Conselho Municipal de Política Cultural, projetos, coletivos, blocos de Carnaval e profissionais da música e outras manifestações. Também compareceram os vereadores Márcio Teixeira (PL) e Emerson Construtor (Podemos).

Logo no início, a vereadora Estela expôs aos presentes que dois pedidos de informação referentes à temática cultural já haviam sido encaminhados ao Poder Executivo em dezembro. Bem ao final do prazo para resposta, o retorno chegou no próprio dia da audiência, não possibilitando tempo hábil para que os interessados se debruçassem sobre os documentos. Os questionamentos diziam respeito ao Teatro Municipal e à realização de eventos na cidade.

O vereador Márcio Teixeira também se manifestou, lamentando o Poder Executivo não ter enviado representantes à audiência, dizendo-se “entristecido e frustrado” no início de seu primeiro mandato. Em resumo, se colocou à disposição para acompanhar as audiências realizadas pela Casa e para os apelos da classe artística presente: “não tem como eu não estar engajado, minha formação é em Ciências Sociais. A cultura não pode parar e a representatividade cultural tem que aumentar cada vez mais”, falou.

Conselho Municipal lista pontos críticos

A maior parte da audiência foi dedicada a ouvir a classe artística presente. A principal fala da manhã foi do presidente do Conselho Municipal de Política Cultural de Bauru, Igor Fernandes. Além de ressaltar a importância da atuação do conselho e da cultura para o desenvolvimento econômico da cidade, chegando a afirmar que “para cada real gasto em cultura, volta para cidade R$ 1,69”, ele listou pontos críticos que o setor enfrenta.

Foi abordada a efetivação de ações e projetos de financiamento da cultura tanto nacionais, como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), quanto municipais, tal qual o Programa Municipal de Estímulo à Cultura de Bauru (PEC). No entanto, alguns assuntos acabaram se destacando.

Foi o caso da discrepância entre as verbas públicas destinadas aos artistas locais e aos artistas nacionais que visitam a cidade. Segundo Igor, o valor médio para contratação de artistas locais em Bauru não passa de R$ 3 mil reais, enquanto grandes shows custam muito mais, citando contratações como da sertaneja Simone por mais de R$ 500 mil, de Alexandre Pires por R$ 420 mil, da banda Jota Quest por R$ 300 mil, do cantor gospel Thiago Brado por quase R$ 90 mil, entre outros.

Em outro momento, Ivo Fernandes, também do Conselho de Cultura, completou a questão da disparidade dos gastos lembrando que o investimento financeiro em grandes artistas não retorna para a cidade, diferentemente de quando se investe em artistas locais. “Não somos contra os grandes artistas, o povo tem direito de curtir isso, mas quando falamos de equidade de gastos estamos falando que o dinheiro destinado a artistas locais vai voltar para o município”, explicou.

Atualmente, o Conselho de Cultura também luta para que o órgão deixe de ser apenas consultivo e passe a ser deliberativo, ou seja, para que tenha um papel mais ativo e estratégico na definição das políticas públicas municipais. Um exemplo da importância da mudança passa pelo próprio Plano Municipal de Cultura. Igor Fernandes explanou que, embora construído em um processo amplo que buscou olhar para todos os atores culturais da cidade, o Plano está parado. Ele fez um apelo para que a Secretaria de Cultura protocole a matéria na Câmara e assim, dê início aos trâmites para sua aprovação.

Preocupações com o Carnaval 2025

Outro ponto levantado durante a audiência foi a realização do Carnaval 2025. Segundo o presidente do Conselho de Cultura, a pouco mais de 40 dias do feriado, não se vê dinheiro para que as escolas desçam a avenida. “Até quando vamos aceitar esse descaso com a cultura preta? Cultura que é patrimônio histórico do Brasil, o samba, a maior festa popular do mundo. Até quando o Carnaval vai ser marginalizado dessa forma?”, desabafou Igor.

A Prefeitura publicou o chamamento público para cadastramento das escolas de samba e blocos interessados em desfilar no sambódromo no último dia 16 de janeiro. Quanto a isso, as críticas dos presentes foram várias e passaram por:

- chamamento ter sido deixado para a última hora: “vamos ter cerca de duas semanas para fazer as inscrições, mais o prazo de deferimentos e recursos… vamos receber a primeira parcela quando, depois do desfile?”, questionou Tobias Terceiro, da Escola de Samba Primeiro de Agosto);

- o montante da verba destinada, prevista em R$ 98 mil para escolas de samba e R$ 23 mil para blocos que cumprirem as exigências do edital;

- as restrições nas exigências de quem tem direito ao financiamento, que exclui agremiações novas ou reestreantes. Quanto a isso, Renato Tadeu Theodoro, da agremiação da torcida organizada Fiel Macabra, lamentou: “pelo jeito ninguém vai ter direito à verba, a falta de verba é o problema do Carnaval”;

- as condições estruturais do sambódromo e a falta de disponibilidade que as escolas encontram de usar o espaço durante o ano;

- e, no geral, a falta de apoio do poder público à festividade popular: “cultura gospel é a única aceita para nossa cidade”, analisou o presidente do Conselho.

Os presentes pediram uma intercessão para que o Carnaval 2025 aconteça. Nesse sentido, figuras históricas da cidade subiram à tribuna para demonstrar todo o seu amor pela festividade: “a gente leva para avenida um sonho, um sonho de teatro ao ar livre, isso é muito emocionante. Por isso vamos estar lá, com verba ou não, queira a prefeita ou não, porque nós somos o povo, nós somos a alegria”, disse Dulce, acompanhada de sua mãe, Irene Cosmo, fundadora do Bloco Estrela do Samba de Tibiriçá.

Encaminhamentos

Diante de todo o exposto, a vereadora Estela Almagro definiu que as demandas levantadas durante a audiência pública serão organizadas em um documento. Com ele em mãos, deve pleitear que a Mesa Diretora da Câmara agende com urgência uma reunião com a prefeita Suéllen Rosim (PSD), para que “o fruto dessa escuta social” seja encaminhado ao poder público.

Considerando o governo atual, a vereadora ainda finalizou vendo dificuldade no avanço de algumas pautas, por isso mesmo incentivando a mobilização dos diversos atores culturais para que o setor seja respeitado. “Esse desafio é nosso”, declarou.